tirem-me...
Tirem-me a vista.
Tirem-me para sempre a luz de Lisboa,
tirem-me as encostas do Douro,
o Tejo e o Alentejo,
tirem-me a calçada dos passeios e os azulejos da parede.
Tirem-me o ouvido.
Tirem-me para sempre o choro da guitarra e o pranto do fadista,
tirem-me os pregões das mulheres do bulhão e a pronúncia de norte a sul,
tirem-me a fúria de espuma das ondas e o grito do golo.
Tirem-me o tacto.
Tirem-me para sempre o sol de Inverno a bater na cara,
tirem-me o barro a ganhar forma entre os dedos,
tirem-me o rosto queimado da minha mãe e a mão áspera do meu pai.
Tirem-me tudo isto, mas não me tirem o gosto.
Porque se eu ainda for capaz de saborear a alheira a rebentar de sabor,
ou o bacalhau com todos a nadar em azeite,
serei capaz de dizer, se não me tirarem a fala, que estou em Portugal.
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